Prossegue o colega Pedro José Alves, narrando outra experiência onde, como diretor jurídico de uma empresa, atuou no caso de um acidente com um microônibus da sua cliente, que se deslocava do interior para uma grande cidade, transportando pessoas que deveriam tomar um avião para o Rio de Janeiro. Ao se aproximar de um viaduto estreito, o motorista passou sobre um corpo. O motorista explicou-lhe que algo foi arremessado no pára-brisa e que ele não conseguira, embora não corresse muito, frear o veículo, e que no exato momento em que ocorrera o incidente, cruzara por ele, sobre o viaduto mencionado, uma carreta, dessas imensas e cheias de soja. Disse-lhe que parou para ver o que ocorrera, chegando a uns 50 metros, reparou que era um corpo e decidiu "não enfrentar" o que estava por visualizar. Reparou que o retrovisor estava torto e que próximo ao pára-choque havia um pouco de sangue. Após levar seus passageiros parou num posto de serviços onde limpou o veículo e trocou o retrovisor. Considerou o motorista, sem consultar ninguém, que não havia o que temer e foi procurar o delegado do lugar relatando o que ocorrera. Foi indiciado como atropelador (réu confesso) ou frio assassino de um transeunte. Registra Pedro que contratou um advogado criminalista de São Paulo, que examinou a causa, conversou com o delegado e concluiu: "Não há dúvida, doutor, um assassino, irresponsável! É necessário que a empresa compense a família!" Sobrevém um despacho da juíza acenando com acordo no qual o motorista pagaria 20 cestas básicas. Com ele, a empresa teria que indenizar a família. Dando crédito para a narrativa do motorista, Pedro recusa acordo e pede que se produza prova testemunhal com aprofundamento nas existentes inclusive com oitiva de peritos que confeccionaram o laudo e exumação de cadáver. As provas foram deferidas a contragosto pela juíza (salvo a exumação) reclamando da "mania" de advogados , mormente de cidade grande, em "criarem problemas".
Na audiência ficou provado que o ônibus transitava regularmente, que havia um vulto sobre a estrada e a visão foi possível até certo ponto, porque havia um veículo vindo em sentido contrário e seus faróis iluminavam a pista. Em seguida, ouviram um impacto sobre o vidro dianteiro e um solavanco, como se o microônibus passasse sobre alguma coisa. Mais tarde, souberam ser um corpo, por informação do motorista acusado. Aos peritos, duas indagações: primeira: de que morrera a vítima e que parte de seu corpo foi primeiro afetada; segunda: quando a vítima chocou-se contra o pára-brisa era possível estar viva ou já era um cadáver? Com segurança, as respostas foram no sentido de que a vítima foi atingida na altura da coluna cervical pela carroçaria da carreta e que já estava sem vida ao ser arremessada contra o pára-brisa. A juíza, ao absolver o motorista, acabou por agradecer ao advogado, pela "insistência", já que, sem tal aprofundamento teria proferido decisão injusta. Encerra observando que até a audiência , embora a vítima não fosse casada nem possuísse filhos, as pressões dos demais parentes eram grandes contra o motorista e empresa que, em verdade, não eram os responsáveis por aquela morte.
Observo aos leitores que Pedro José Alves insiste em dizer que não é criminalista, o que nos faz lembrar: "Não sou o escultor Michelangelo. Sou Michelangelo Buonarroti".
Elias Mattar Assad
(eliasmattarassad@yahoo.com.br) é presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abrac)
Nenhum comentário:
Postar um comentário