Os ministros do Supremo precisam mirar-se no exemplo da juíza de Embu das Artes
"Eu sou juíza e estou ameaçada de morte", informa Bárbara Almeida já na primeira linha do artigo publicado pela Folha e reproduzido na seção Feira Livre. Há 20 anos dedicada à magistratura, hoje baseada na comarca de Embu das Artes, ela conta que deixou de exercer plenamente o direito de ir e vir há pouco mais de um mês, depois de ordenar a imediata desocupação de uma área de proteção ambiental invadida por milícias do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
Para escapar da vingança prometida por militantes do MTST - uma das tantas siglas fora-da-lei que compõem a constelação de "movimentos populares" amamentados pelo governo federal -, a juíza da pequena cidade paulista passou a ser protegida 24 horas por dia pela escolta policial que, há duas semanas, decidiu dispensar. O perigo continua a rondá-la, mas Bárbara entendeu que circular permanentemente acompanhada seria uma forma de rendição ao medo.
Ela promete continuar agindo como sempre agiu. "Alguns me consideram muito dura, mas sempre me limitei a aplicar a lei", resume. O título do artigo avisa que a autora exige a devolução da liberdade parcialmente confiscada por meliantes que agem com a cumplicidade, por ação ou omissão, do governo federal. Essas parcerias obscenas ajudam a explicar o desembaraço e a ousadia dos atropeladores do Código Penal.
Num Brasil envilecido pelo desembaraço dos vilões, é compreensível que a magistratura, da primeira instância ao cume do Poder Judiciário, comece a transformar-se em profissão de risco. As mensagens telefônicas ouvidas pela juíza da pequena cidade paulista, em sua essência, não são diferentes das pressões cada vez mais insolentes exercidas sobre o Supremo Tribunal Federal por protetores ou comparsas dos réus do processo do mensalão.
Constrangidos pelo assédio indecoroso do ex-presidente Lula, afrontados pela arrogância de dirigentes do PT, os ministros do STF foram ostensivamente ameaçados nesta semana por altos pelegos da CUT a serviço do bando dos mensaleiros. Se os bandidos da seita forem punidos, preveniram os cardeais, o baixo clero vai contestar a decisão nas ruas e praças. Nesse caso, estará em risco a integridade física dos participantes do julgamento.
O MTST exige que a Justiça legalize o roubo de terras. A CUT exige que o STF institucionalize a impunidade dos delinquentes amigos. A altivez de Bárbara Almeida impediu a derrota da Justiça. Para garantir a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, o STF precisa evitar que a independência do Poder Judiciário seja ferida de morte. Caso estiverem dispostos a rejeitar a capitulação, basta que os ministros se mirem no exemplo da juíza de Embu das Artes.
13/07/2012
às 12:54 \ Feira Livre
'Eu quero minha liberdade de volta', um artigo da juíza Barbara Carola Hinderberger Cardoso De Almeida
PUBLICADO NA FOLHA DE S. PAULO NESTA SEXTA-FEIRA
BARBARA CAROLA HINDERBERGER CARDOSO DE ALMEIDA*
Eu sou juíza e estou ameaçada de morte.
Comecei na magistratura há 20 anos. Há 18, estou aqui em Embu das Artes. Em todos esses anos e por todos os fóruns em que já passei, nunca tive a minha vida ameaçada. Nem mesmo quando julguei grandes processos criminais envolvendo o crime organizado.
Há pouco mais de um mês, ordenei a desocupação imediata de Área de Proteção Ambiental (APA) pertencente à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Ela havia sido invadida por integrantes do MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto.
Segui o que manda a legislação ambiental brasileira, uma decisão que favorece a comunidade como um todo, no presente e no futuro.
A partir daí, porém, recebi ameaças de morte, inclusive registradas pela Polícia Militar, por conta de minha sentença favorável à manutenção da APA. Fiquei sinceramente espantada. Nunca imaginei que alguém pudesse tentar me coagir por defender o meio ambiente.
É como o desembargador Roque Mesquita disse em um artigo: "Ser magistrado no Brasil se tornou uma profissão de risco". Fato. Lamentavelmente, isso está se tornando comum. Você sempre está sujeito a sofrer algum tipo de perseguição ou tentativa de coação, nesse caso traduzida em ameaça de morte.
Quando prestei concurso para a magistratura, nunca me passou pela cabeça que um dia alguém, por causa de uma decisão minha, ficaria tão contrariado a ponto de ameaçar tirar minha vida. Foi muito ruim ouvir uma voz ao telefone ameaçando me matar.
Claro que sinto medo. Sou humana. É normal.
Passei a dispor de escolta policial 24 horas por dia. Nesse período, não podia ir ao shopping sozinha, não podia ir ao mercado nem encontrar os amigos sem um segurança por perto.
O medo é um sentimento tão ruim, tão destruidor, que não contei nem para minha própria mãe o que estava acontecendo. Mas o fato se tornou público, e ela leu nos jornais que a sua filha estava ameaçada de morte.
Curiosamente, o que mais eu sentia além de medo era constrangimento! Fiquei constrangida por tirar policiais das ruas, que estavam trabalhando em prol da segurança da população, para servir à segurança de uma única pessoa: eu.
Quanto mais eu convivia com o medo, mais eu tinha a certeza de que não podia parar. Eu não podia e não posso ceder. Não podia deixar que a Justiça fosse derrotada. A Justiça e eu. Afinal, é o meu dever que a segurança e a ordem social sejam garantidas. Não trabalho para mim, trabalho para todos.
Há 15 dias, dispensei a escolta armada que me protegia.
Viver se sentindo como um refém é horrível. É pior do que muitas sentenças que já dei nesses anos de magistratura. Você não fica mais totalmente relaxada. O medo passa a ser sua companhia. E passou a me acompanhar em todos os lugares.
Mas, para ser magistrada, você tem que ser forte. Ser forte e ter caráter para não ceder às pressões - durante os anos de trabalho, você é pressionada de todas as partes e de todas as formas.
Eu amo a minha profissão. Sou uma juíza considerada linha dura. Faço com que as ordens judiciais sejam cumpridas. E no Brasil é preciso que isso aconteça para que o Estado democrático de Direito não seja abalado. É isso o que defendo.
Ser juiz é não ter dúvida que a Justiça será feita. Ser juiz é ter coragem. É desejar que a Justiça prevaleça sempre, não importando o sexo, a classe social ou a escolaridade de quem quer que sejam as partes.
Mas não é por eu estar sendo ameaçada que irei parar de trabalhar ou pensar duas vezes antes de uma decisão. Na verdade, minha decisão já está tomada: não vou desistir, isso não vai afetar o meu trabalho.
Assim como o medo é uma característica humana, a capacidade de ter certeza também. E eu estou segura de ter tomado a decisão certa em favor da sociedade.
A comunidade para qual trabalho reconhece minha luta e minha força. Percebo que estão do meu lado. Desde o frentista do posto de gasolina até o presidente da Câmara dos Vereadores de Embu das Artes me apoiaram. Eu me senti amparada e querida, o que me deu forças. São ações como essas que me fazem perceber que estou no caminho certo, que estou exercendo minha função honestamente.
Agora, o que eu mais quero é minha liberdade de volta.
*BARBARA CAROLA HINDERBERGER CARDOSO DE ALMEIDA, 49, é juíza em Embu das Artes (SP)
Tags: ameaça de morte, Barbara Carola Hinderberger Cardoso De Almeida,Embu das Artes, escolta armada, Estado Democrático de Direito, juíza, Justiça,Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, MTST - 13/07/2012 - às 20:18 - Direto ao Ponto
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