E prosseguiu Nilo Batista: "...É igualmente intolerável que, no esforço em favor da expansão do sistema penal, os meios de comunicação desqualifiquem o exercício das garantias constitucionais como táticas para embaraçar os procedimentos. O acusado que, por dificuldades íntimas de abordar o assunto, ou por mera conveniência de defesa, ou ainda por não desejar submeter-se aos insultos abusivos e ilegais que costumam acompanhar a inquirição numa CPI, decidir exercer seu direito constitucional ao silêncio, será execrado, e a ordem de habeas corpus concedida para garantir-lhe o direito será tratado como "artifício" pelos âncoras do telejornalismo. Dar-se-ão conta eles de que essa atração pela voz confitente, este protagonismo processual do confiteor tem um pé na tradição jurídica penitencial canônica e outro pé na tortura?
Vivemos num quadro deveras preocupante, senhor presidente. O desenho neoliberal do Estado pós-moderno abandonou todos os compromissos no âmbito dos chamados direitos econômicos, sociais e culturais (...). Paralelamente à extinção histórica dos direitos econômicos, sociais e culturais, assiste-se a um assalto aos direitos civis e às garantias constitucionais. O desprezo ao devido processo legal, que sempre acompanha toda expansão do sistema penal, corta fundo na carne do estado de direito, porque representa um avanço no estado de polícia. O fascismo caminha através do sistema penal e de suas cercanias. O fascismo toma conta de uma sociedade quando as garantias (por exemplo, os requisitos legais para violar a intimidade de um suspeito, os pressupostos para decretação da prisão provisória de um indiciado, etc.) que o povo brasileiro, em assembléia nacional constituinte, opôs ao poder punitivo, são desprezadas pela mídia e pelos tribunais. É então que a advocacia - opondo-se nos casos concretos ao avanço do fascismo, disputando com ele cada uma das vítimas anônimas que comporão as cifras assustadoras do maior encarceramento ao qual, em toda sua história, foram submetidos os brasileiros pobres , - será vista como um estorvo, anatematizada, invadida, por vezes presa e maltratada.
Neste sentido, senhor presidente, a defesa das prerrogativas constitui diretamente defesa do estado de direito. E essa defesa não se desenvolve apenas capilarizadamente, através dos casos concretos onde magistrados comprometidos com o estado de direito e promotores de Justiça, conscientes de sua responsabilidade social, estarão ao nosso lado. Essa defesa se desenvolve também no plano simbólico, nas concepções e teorias acadêmicas que tentam esclarecer e formular sobre a passagem das políticas criminais do estado previdenciário para o formato que permitiu a um estudioso falar de um estado penal. Entretanto, as teorias penalísticas e criminológicas críticas são ignoradas e silenciadas pelos meios de comunicação, porque desacreditam e dissolvem o senso comum criminológico por eles estrategicamente divulgados. Para este senso comum, toda formulação que deslegitime a solução penal é herética.No nazi-fascismo à brasileira, a solução final se chama solução penal, e o genocídio em curso nos últimos dez anos, mais de 30.000 jovens, da mesma extração social e étnica, foram mortos no Rio, demonstra que neste setor ninguém pode reclamar de eficácia...". Nilo Batista é um dos maiores dos nossos!
Elias Mattar Assad
(eliasmattarassad@yahoo.com.br)é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
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